O I Encontro Drogas + Políticas aconteceu dias 26 e 27 de abril no Centro de Teatro do Oprimido, na Lapa - Rio de Janeiro, e reuniu professores, pesquisadores, profissionais de diversas áreas, usuários e movimentos sociais para debater o atual cenário da política de drogas no Brasil. A proposta do coletivo organizador foi descentralizar ao máximo as intervenções trocando a figura dos palestrantes por “provocadores”. Alguns convidados abriam as discussões trazendo elementos de maneira bem breve e logo cediam o espaço para a intervenção de novos atores. Cada espaço contou com o trabalho de um facilitador para apresentar os convidados e um relator para registrar os elementos e proposições que surgiram durante o debate.
Profissionais e pesquisadores das mais diversas áreas participaram do I Encontro Drogas + Políticas
O encontro foi aberto com breves falas de apresentação do espaço, realizadas por Francisco Netto, coordenador executivo do PACD/Fiocruz, Paula Oliveira, coordenadora da Unidade de Acolhimento Adulto - U.A.A. Metamorfose Ambulante, e Rafael Dias, professor de Psicologia da Universidade Federal Fluminense – PUVR/UFF. Com o objetivo de fazer conversar um conjunto variado de atores com prática no campo das drogas, profissionais com atuação em cuidado, pesquisa, análise, cultura, justiça, experimentação, ativismo político, entre outros, estiveram em constante diálogo em espaços temáticos diversos. Apesar da grande diversidade de práticas representadas, entretanto, todos estavam unidos pela constatação comum do fracasso da guerra às drogas e a necessidade de soluções realmente eficazes para o problema. A aposta do coletivo organizador foi unir uma multiplicidade de perspectivas sobre a abordagem do assunto e, dessa forma, elaborar propostas de soluções que alcancem a complexidade exigida pelo tema.
Facilitado por Dênis Petuco, sociólogo, redutor de danos, professor e pesquisador da EPSJV/Fiocruz, o primeiro espaço na manhã da quarta (26) abordou cenários contemporâneos da política de drogas e contou com a participação de Ingrid Farias, secretária executiva da ABORDA – Associação Brasileira de Redutoras e Redutores de Danos, Maurício Fiore, antropólogo, pesquisador do CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e coordenador científico da PBPD - Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, e Dudu Ribeiro, coordenador da INNPD - Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas. Ingrid abordou a relação da política proibicionista com o controle dos corpos, em especial o das mulheres, e apontou para a necessidade de atentarmos para o machismo no comportamento dos homens, ainda que antiproibicionistas, nos espaços do movimento. Fiore trouxe críticas ao comportamento da Justiça brasileira, que possui ação explicitamente seletiva contra pessoas pobres, e lembrou da guerra que está acontecendo no morro do Alemão, onde a polícia ocupa casa de moradores, violando diversos direitos humanos básicos, sob o discurso de combate ao tráfico. Dudu finalizou discutindo a perspectiva racista da guerra às drogas, trazendo um histórico da proibição da maconha no Brasil e denunciando a perspectiva de “embranquecimento da população” que foi conjugada por governos brasileiros com a política de guerra às drogas como dispositivo para legitimar o genocídio do povo negro. Após a provocação inicial dos facilitadores, o microfone foi aberto para os presentes, que apresentaram novas contribuições e coletivizaram o debate.
O segundo espaço, na tarde da quarta (26), teve início às 14h, foi facilitado por Iacã Macerata, psicólogo, professor de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (PURO/UFF), e debateu as práticas de cuidado com usuários de drogas. A discussão contou com uma exposição inicial realizada exclusivamente por mulheres, com a presença de Flávia Fernando, médica psiquiatra e doutoranda em Psicologia na UFF, Valeska Antunes, médica do consultório na rua de Manguinhos, e Paula Oliveira, psicóloga e coordenadora da Unidade de Acolhimento Adulto - U.A.A. Metamorfose Ambulante. Após a exibição de uma música e um pequeno vídeo sobre o tema da discussão, as provocações iniciais foram breves e rapidamente diversos convidados tomaram a palavra para participar do debate. As internações compulsórias, os CAPS-AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) e a prática da redução de danos estiveram no centro do debate. Muitas críticas foram apontadas às práticas de internação forçada e diversos limites terapêuticos foram colocados para essa modalidade de intervenção. Muito embora os CAPS-AD tenham sido referenciados pela maioria das falas como o método mais eficaz para a atenção e cuidado com os usuários, a modalidade também não deixou de receber críticas. Desde o uso conjugado com internações forçadas até o aparelhamento religioso de algumas unidades, diversas contradições foram apresentadas pelos participantes. O paradigma da abstinência também foi outro tema bastante discutido, em muitas intervenções ficou nítida a necessidade de diferenciar o sucesso dos métodos terapêuticos da extinção total do uso de drogas por parte dos usuários. Problematizações sobre usuários de drogas, em especial usuários de crack, também apareceram com relativo destaque e em muito diálogo com o debate sobre a importância da política de redução de danos.
O espaço da manhã de quinta (27) foi facilitado por Flávia Fernando e dedicado ao debate sobre novas formas de articulação e mobilização no campo da política de drogas. A discussão contou com a presença dos convidados Leila Assunção, historiadora, ativista do movimento LGBTT, professora da UFRN e integrante da LANPUD – Rede Latino Americana de Pessoas que usam Drogas, Júlio Delmanto, historiador e membro do coletivo DAR – Desentorpecendo a Razão, Fernando Beserra, professor de psicologia, coordenador de Saúde do Trabalhador no IFRJ e membro da APB - Associação Psicodélica do Brasil, e Rodrigo Mattei, membro do bloco Planta na Mente e da Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos do Rio de Janeiro. O espaço buscou colocar em diálogo diversas formas de ativismo e mobilização política com o intuito de democratizar o debate sobre política de drogas e principalmente organizar a sociedade para que as contradições da guerra às drogas sejam apontadas e novas soluções sejam pensadas sob perspectiva coletiva. A mobilização social, em seus diferentes métodos de organização, apareceu na discussão como a perspectiva de método pela qual os assuntos acumulados nos pontos anteriores podem alcançar de maneira mais efetiva o conjunto da sociedade. Elementos importantes deste diálogo com a sociedade, como a comunicação e a cultura, também foram lembrados. Alguns dos presentes pontuaram as limitações e possibilidades encontradas pelos movimentos diante do atual contexto de concentração midiática e criminalização de aparelhos culturais populares, como as rodas de RAP e de rima.
O início da tarde de quinta (27) foi marcado pela apresentação do grupo de Teatro do Oprimido da casa, “Linha de Fronteira”, que trouxe para os participantes do encontro um processo de sensibilização quanto às contradições e violências da atual política de drogas a partir da arte. Em uma esquete de alguns poucos minutos, o grupo de teatro conseguiu deixar pessoas em lágrimas e marcar um silêncio absoluto na plateia ao denunciar as barbáries que acontecem diariamente nas favelas e periferias do país sob pretexto de combate às drogas. A direção do grupo, aplaudido efusivamente pelos presentes, ficou sob a responsabilidade de Daniel de Souza, redutor de danos e profissional do Consultório na Rua de Manguinhos.
O I Encontro Drogas + Políticas lotou o Centro de Teatro do Oprimido na Lapa/RJ
O encerramento do encontro ficou por conta de uma plenária coletiva organizada em círculo onde os diversos presentes puderam colocar suas impressões sobre o espaço, realizar balanços, tecer críticas e elogios de forma democrática. Os diversos elementos que surgiram foram coletados e sistematizados pelo coletivo organizador que, ao fim da plenária, assumiu a responsabilidade de sistematizar o conteúdo em um documento que sintetize o acúmulo produzido nos dois dias de debates. O I Encontro Drogas + Políticas foi resultado de uma iniciativa coletiva com o apoio do PACD - Programa Institucional Álcool, Crack e outras Drogas da Fiocruz e da UFF - Universidade Federal Fluminense.
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