Nos últimos anos, o consumo de crack apresentou crescimento considerável no Brasil. Algumas regiões, principalmente os grandes centros urbanos - nos quais existe maior visibilidade do uso da droga - vem buscando alternativas no intuito de minimizar danos e riscos do uso prejudicial da substância.
Diante dos altos índices de consumo do crack no país, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) encomendou a Pesquisa Nacional sobre o Crack, desenvolvida pela Fiocruz, com apoio da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da instituição e coordenada pelo pesquisador Francisco Inácio Bastos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).
O estudo revelou que o Brasil possui 370 mil usuários regulares de crack nas capitais, sendo aproximadamente 80% deles homens, negros, de baixa escolaridade e renda, com média de idade de 30 anos. Posteriormente a Senad encomendou outra pesquisa, dessa vez no intuito de investigar a relação entre o uso do crack e processos de exclusão e desclassificação social em diferentes esferas e dimensões. Coordenada pelo sociólogo Jessé Souza, professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a pesquisa aponta que relação entre exclusão social e uso de crack é fundamental para desenhar políticas e formar linhas de cuidado para pessoas que tenham problemas com drogas. Complementares, as pesquisas apontam o forte estigma e exclusão social dos usuários.
Com o objetivo de apresentar e debater os resultados da pesquisa coordenador por Souza, passando por diversos pontos abordados na Pesquisa Nacional sobre o Crack, o seminário Crack e Exclusão Social foi realizado, no dia 21 de outubro de 2016, na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz).
A atividade foi coordenada pelo psicólogo Francisco Netto, membro do Programa Institucional de Álcool, Crack e outras Drogas da Fiocruz e mestre em Saúde Pública pela Ensp/Fiocruz, e contou com a participação do psiquiatra e ex-diretor de Articulação e Projetos da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Cidadania, Leon Garcia.
O evento também contou com profissionais que atuaram na equipe da pesquisa Crack e Exclusão Social: Roberto Dutra Torres, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), e os sociólogos Brand Arenari e Ricardo Visser, além dos estudantes de graduação da Uenf Vanessa Henriques e Filipe Coutinho. Como debatedora, participará tambéma a médica de Família e Comunidade Valeska Holst Antunes, integrante do projeto Consultório na Rua em Manguinhos.
Disponível on-line, a pesquisa representa parte do esforço articulado entre governo e academia no intuito de aprofundar o debate sobre as pessoas que usam drogas no Brasil e seus contextos de vida.
Segundo Leon Garcia, que assina a apresentação do relatório da pesquisa, quando o tema das drogas ganhou destaque no panorama político-midiático brasileiro, em 2010, não foi o álcool a droga que mais impactou a saúde pública e que atraiu as atenções e, sim, o crack, que ocupou o centro do cenário.
“Ao uso de crack passou a ser atribuída responsabilidade por crimes violentos e pela suposta degradação moral de parte da juventude brasileira. Jornalistas, lideranças políticas e religiosas não tiveram dificuldade em encontrar especialistas dispostos a corroborar esses e outros mitos, como o que reza que o crack vicia na primeira tragada e mata seus usuários em seis meses. Como se sabe, a primeira vítima das guerras é a verdade. Na assim chamada guerra às drogas, não tem sido diferente”, argumentou Leon.
A pesquisa Crack e Exclusão Social foi estruturada em dois eixos inter-relacionados: a reconstrução das trajetórias de vida dos usuários em diferentes esferas da vida social (família, escola, trabalho, sistema jurídico etc.) e o trabalho de algumas instituições de recuperação dos usuários (CAPSAD e Comunidades Terapêuticas).
Foto: Leon Garcia (EBC / Agência Brasil)
O relatório está organizado em duas partes, que refletem os eixos mencionados: Classe social e trajetórias de vida, e Instituições sociais e trajetórias de vida. Pensada como um conjunto de diagnósticos e propostas, a pesquisa busca oferecer orientações para a formulação de políticas públicas eficazes na área.
O estudo aponta que o poder discricionário dos agentes institucionais que controlam o acesso a bens e serviços estatais em contato direto com os indivíduos usuários de crack, torna altamente improvável que as diretrizes e premissas formuladas pelo poder político formal, jurídica e democraticamente constituído, ocupem o primeiro plano enquanto fator estrutural.
Reportagem de Tatiane Vargas | Informe Ensp